É provável que uma das dúvidas mais comum entre os autores iniciantes seja a que busca saber: “Quais são as estratégias do narrador quanto ao processo de escrita de um texto literário narrativo?” Nesse texto, vamos dar continuidade ao tema para abordar uma delas: a estratégia quanto ao discurso narrativo.

A saber, o Discurso narrativo é o elemento que expõe as vozes, ou tons dos personagens. É por meio do Discurso narrativo que saberemos como os personagens entonam seus pensamentos, falas, expressões, resmungos, introspecções, reclamações etc. As formas de enunciação ou discurso (estilo verbal) são marcadas pelos discursos: direto, indireto e indireto livre.[1]

Quadro – Estratégias do narrador quanto ao discurso narrativo
Discurso narrativo(  ) direto (o narrador reproduz a exata fala de alguém).
(    ) indireto (o narrador expressa com suas palavras a fala de outrem).
(     ) indireto livre (é uma mescla entre o direto e o indireto, onde há intervenções do narrador na fala dos personagens).

Assim sendo, quando escolhem uma dessas opções como estratégia para o discurso narrativo, os escritores iniciantes estão definindo qual será o estilo verbal[2], bem como “Quem fala e/ou pensa na história?”: se é o personagem, o narrador ou mesmo ambos.

No discurso direto temos a utilização de verbos que anunciam o discurso, geralmente acompanhados por dois-pontos e uma mudança de linha para um novo parágrafo marcado por um travessão, ou o uso de aspas, atuando como uma citação ou transcrição. No indireto, o narrador usa suas próprias palavras para transmitir a fala dos personagens.[3]

Só para ilustrar, vejamos um exemplo prático retirado do conto “O saci e o curupira” (Joel Rufino)[4], onde se observa que a fala do personagem é introduzida pelo travessão ( )  e, quando interrompida pelo narrador, o travessão (re)aparece marcando a continuidade da fala do personagem.

Fonte: Joel Rufino (2017: 45-52)

Ademais, veja que no discurso direto, para anunciar a fala dos personagens, usamos verbos como, afirmar, comentar, perguntar, responder, continuar, declarar, sussurrar, pedir, gritar, retrucar (os chamados verbos “de dizer”).[5] A seguir temos outro exemplo, retirado do mesmo texto anteriormente citado, que utiliza o verbo ofertar, seguido de dois pontos:

(…) O roceiro de quando em quando ofertava:
          – Um golinho d’água, nhonhô? Tá fresca, fresca…

Outros exemplos de estratégias do narrador quanto ao discurso narrativo

Nesse sentido, com o intuito de auxiliar os escritores iniciantes a escolherem melhor o discurso (estilo verbal) que irão utilizar ao longo do seu texto, segue quadro com exemplos que utilizam a mesma frase e comparando os três discursos:

Quadro – Exemplos de estratégias do narrador quanto ao discurso narrativo
Discurso diretoDiscurso IndiretoDiscurso Indireto livre
Reprodução direta da fala e/ou pensamentos dos personagensOnde o autor conta indiretamente, com as palavras do narradorCombinação dos dois anteriores, com o resultado ambíguo, de modo a confundir a fala e/ou pensamentos dos personagens e os do narrador
Ela andava e pensava:  – Droga! Estou tão cansada!Ela andava e pensava que (a vida) era uma droga e que estava cansada.Ela andava (e pensava). Droga! Estava tão cansada.
Ela disse tristemente: – Meu fim será triste.Ela disse tristemente que seu fim seria triste.Ela pensou tristemente: seu fim seria triste.
Fonte: Cândida Gancho (2006: 31) e Lígia Leite (2007: 83/84)

Portanto, o discurso indireto livre comporta as marcas de tempo [verbal] e da pessoa do discurso indireto (ou seja, do narrador), mas tem sua estrutura semântica e sintática penetrada pelas propriedades do discurso direto (que vem do personagem).[6]

Narrativas e discurso narrativo

Então, quando se fala de um texto narrativo, a definição prévia do discurso por partes dos autores iniciantes é importante porque, além de definir a escolha dos verbos e da conjugação mais apropriada (estilo verbal), também se está definindo o papel do narrador, bem como suas formas de intervenção, se for o caso. Ou seja, se ele vai se limitar a narrar os fatos ou se vai utilizar o discurso para detalhar características, explicar ideias, defender opiniões ou instruir ações dos personagens.

Cabe ressaltar que um texto é classificado como pertencente a uma tipologia narrativa[7] quando há predominância de elementos que a caracteriza em meio a outros tipos textuais.[8] Ou seja, no mesmo texto, é possível articularem-se: narração, descrição, argumentação, injunção e outras tipologias textuais.[9]

Assim, por exemplo, em um conto ou num romance, vamos encontrar, além das sequências narrativas, responsáveis pela ação propriamente dita (enredo, trama), sequências que são descritivas (para descrever situações, ambientes, personagens) ou mesmo de sequências expositivas (com intromissões do narrador).[10]

Por fim, as intervenções do narrador, por meio do discurso, também podem se dar para explicar um conceito, convencer sobre um ponto de vista ou instruir o personagem a fazer algo.

Obs.: recomendamos ler também o post anterior: estratégias do narrador quanto ao foco narrativo.

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Notas

[1] De acordo com Carla Marques e Dayara Carvalho (2021: 18).

[2] Conforme Carla Marques & Dayara Carvalho (2021: 18).

[3] De acordo com Carla Marques e Dayara Carvalho (2021: 18).

[4] SANTOS, J. Rufino. O saci e o curupira e outras histórias do folclore. São Paulo: Ática, 2017 (45-52).

[5] Conforme Ana Trinconi et. al. (2019: 24).

[6] Segundo Todorov e Ducrot, em seu Dicionário Enciclopédico das Ciências da Linguagem, citado por Felipe Henz. In Estilo indireto livre: técnica, aplicações e efeitos na escrita ficcional (ver bibliografia).

[7] Na prática, a tipologia textual refere-se à estrutura e ao propósito dos textos, classificando-os em: narração (contar eventos), descrição (detalhar características), exposição (explicar ideias), argumentação (defender opiniões) e injunção (instruir ações). Cada tipo possui características e objetivos específicos, como narrar uma aventura, descrever um objeto, explicar um conceito, convencer sobre um ponto de vista ou instruir como fazer algo (SILVA, 2024 web).

[8] Com efeito, em um único texto é possível articularem-se descrição, dissertação e narração, havendo a prevalência de um destes tipos textuais (Daniel PINNA, 2006: 151).

[9] Conforme Daniel Pinna (2006: 151).

[10] Conforme Laice Dias (2012: 6/7 passin).


Bibliografia

DIAS, Laice Raquel. Gêneros textuais para a produção de textos escritos no livro didático. Universidade Federal de Goiás, Anais do SIELP. Volume 2, Número 1. Uberlândia: EDUFU, 2012. ISSN 2237-8758.

GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 7ª ed. revista e atualizada. São Paulo: (Série Princípios; 207) Ática, 2006.

LEITE, Ligia Chiappini Moraes, 1945 – O foco narrativo (ou a polêmica em torno da ilusão). 10 ed. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2007.

MARQUES, Carla V. M. & CARVALHO, Dayara S. Estrutura do Texto Narrativo (Relatório Técnico NCE 03/21). Rio de Janeiro: Instituto Tércio Pacitti de Aplicações e Pesquisas Computacionais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 2021.

PINNA, Daniel M. S. Animadas personagens brasileiras: a linguagem visual das personagens do cinema de animação contemporâneo brasileiro (dissertação de mestrado). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC, Departamento de Artes e Design, 2006.

SANTOS, Joel Rufino dos. O saci e o curupira e outras histórias do folclore. São Paulo: Ática, 2017.

SILVA, David. Tipologia Textual – O Que é e Diferenças para Gêneros Textuais. Disponível no Blog QueroBolsa, Redação – Manual do Enem, publicado em dez/2024. https://querobolsa.com.br/enem/redacao/tipologia-textual. Acesso em dez/2024

TRINCONI, Ana; BERTIN, Terezinha & MARCHEZI, Vera. Teláris – Português 6º ano. 3 ed. São Paulo: Ática, 2019.


Outras referências bibliográficas

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DAS CIÊNCIAS DA LINGUAGUEM (Todorov e Ducrot), citado por Felipe Henz. In Estilo indireto livre: técnica, aplicações e efeitos na escrita ficcional. Postado em 23/08/2027. Disponível em https://medium.com/filipe-henz/estilo-indireto-livre-bd4442c7df33. Acesso em dez/2024.


Por Francisco Hélio de Sousa

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