A caracterização de personagens quanto aos aspectos internos e externos, as dimensões e o arco do personagem.
Dando continuidade à caracterização de personagens ( ver post anterior ), vamos abordar como construir um(a) personagem realista utilizando a densidade psicológica, o princípio das dimensões e o arco de personagem. A começar pelas dimensões que podem ser atribuídas a um(a) personagem.
Dimensões do Personagem [1]
Uma das formas de caracterização de personagens se dá de acordo com a teoria das dimensões do personagem, onde um personagem que apresenta apenas uma dimensão é um indivíduo que possui apenas um traço de personalidade.
Por essa ótica, ele só é egoísta, ou só é bom, ou só é rancoroso, etc. Sempre preso dentro de apenas um sentimento. Assim, sua personalidade acaba sendo a mesma em qualquer situação, com respostas automáticas e previsíveis.
Porém, eles podem evoluir. Os heróis e vilões dos quadrinhos eram assim, até Stan Lee e Jack Kirby revolucionarem o meio com seus personagens problemáticos e humanos.
A evolução de um personagem de uma dimensão é o personagem bidimensional, que por possuir mais de uma característica. Ele geralmente é contraditório e é um pouco mais complexo.
De fato, um personagem pode ser ao mesmo tempo bondoso e supercontrolador, ou um vilão maldoso e excelente pai de família, ou bonito, mas extremamente tímido. Não há um desenvolvimento grande, mas os personagens bidimensionais dão a ilusão de profundidade.
Já os personagens de três dimensões são bem mais realistas e com várias contradições. Assim, se você quer que seu personagem principal seja mais complexo e seja mais realista, faça-o tridimensional.
Logicamente, nem todos os personagens de uma história precisam ser tridimensionais. Os personagens terciários raramente possuem mais do que uma dimensão e inclusive alguns personagens secundários podem ter sempre uma ou duas dimensões.
Os Arcos de Personagens
Outra forma de caracterização de nossos personagens, e de torná-los mais densos psicologicamente, é utilizar os “Arcos de Personagens”, atribuídos à escritora americana K . M. Weiland, para quem a criação de uma história é focada principalmente na mudança interna do personagem (na verdade, ela trabalha os personagens tanto sob os aspectos internos quanto os externos). [2]
Nesse sentido, ela também divide os personagens em redondos e planos, porém os conceitua de forma um pouco diferente.
Os redondos são os personagens incompletos, cujo desejo central é uma evolução psicológica para tornarem-se completos [são mais próximos da realidade complicada do ser humano], enquanto os personagens planos já são completos, sendo o desejo algo externo e não uma evolução pessoal.
De fato, o arco do personagem é a transformação que tem um personagem desde o começo até o final da história, sejam mudanças de valor ou evolução que atravessa e experimenta piscologicamente, fisicamente ou sociologicamente.
É, portanto, uma ferramenta para construção de personagens multidimensionais e realistas. O arco ajuda a moldar o personagem, tornando-o mais complexo, mais humano e, muitas vezes, mais compreensível para o leitor; consequentemente, contribui também para o avanço da trama e para o crescimento temático da obra.
Escolher o arco mais adequado para cada personagem é, portanto, fundamental na arte de contar histórias.
Então, a utilização habilidosa dessa ferramenta pode transformar um simples enredo em uma obra-prima duradoura.[3]
Dito isso, para tornar mais didática a aplicação da teoria dos “Arcos de Personagens”, podemos atribuir as mudanças psicológicas diretamente aos personagens básicos da nossa história (que trabalhamos no post anterior ), elaborando um Quadro-resumo de fácil aplicação por parte dos escritores iniciantes .
Elaborando um quadro-resumo de Arco do Personagem
Embora existam várias versões dessa teoria, podemos classificar os arcos de personagens em basicamente três tipos: o arco do personagem plano , o arco da mudança positiva e o arco da mudança negativa, onde o personagem pode mudar de valor positivo a negativo, negativo a positivo ou qualquer combinação dessas tantas vezes quanto a história requeira até que se chegue a um ponto sem retorno, a partir do qual o valor final é positivo ou negativo. [4]
Em suma, temos que:
a) O arco da mudança positiva apresenta uma evolução dos personagens e pode ser caracterizado por uma conquista ou evolução interna baseada numa melhor compreensão do mundo e de si mesmo;
b) O arco do personagem plano , retrata a angústia da incapacidade de realizar mudanças, também pode ser utilizado para personagens planos, que não passam por mudanças significativas na narrativa; e
c) o arco da mudança negativa é um tipo comum em vilões (antagonistas), onde a ideia é mostrar a decadência do personagem e sua destruição total ou parcial ao longo da história. [5]
Na verdade, em muitas histórias são os protagonistas ou mesmo os antagonistas que experimentam um arco de personagem, porém personagens secundários também podem apresentar arcos em paralelo aos personagens principais.
Assim, um quadro-resumo de Arco do Personagem para auxiliar os escritores iniciantes poderia ter o seguinte formato:
Quadro-resumo de Arco do Personagem[6]
(Com base nas mudanças psicológicas internas e externas dos personagens básicos da narrativa. O arco do personagem é uma forma de estruturar e desenvolver a saga de um protagonista, antagonista ou personagem secundário da sua história)*
Personagens básicos de uma narrativa | Arcos de Personagens | ||
O arco da mudança positiva | O arco do personagem plano | O arco da mudança negativa | |
Mudança positiva interna ao longo da história, buscando tornar-se completo, em que o personagem começa de um jeito e termina melhor do que começou. | Desde o início da história ele está completo, portanto, em vez de sofrer uma mudança, ele é que muda seu mundo e os outros, através daquilo em que acredita. | Mudança negativa interna ao longo da história. Neste arco o personagem começa de uma maneira e termina de uma maneira bem diferente, pior do que onde começou. | |
Protagonista (o herói ou heroína) | |||
Antagonista (faz o mal ou causa danos) | |||
Mentor(a) (submete o herói à prova) | |||
Auxiliar (ser vivo ou objeto mágico) | |||
Pai/Mãe (outro parente) | |||
Outros (príncipe/princesa, falso herói etc.) |
Criando personagens envolventes
Cabe ressaltar que, para criar personagens realistas e envolventes, além de considerar as dimensões ou os arcos de personagens, é importante definir bons nomes e descrever características e personalidades (dominantes e secundárias) , bem como os interesses, objetivos, qualidades, defeitos e etc. .
Procure conhecer seus personagens. Pense neles durante o dia e à noite, imagine como eles agiriam ou reagiriam às diversas situações com as quais poderiam se confrontar no dia a dia.[7]
Conforme perceba a necessidade de novos personagens ou sua melhor caracterização, atualize o quadro-resumo de seus personagens.

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Notas
[1] Conforme Luiz Figueiredo et. all. (2018: 31).
[2] Nesse mesmo sentido, Sydfield propõe que “Antes de se sentar para escrever, você precisa conhecer seu personagem.” E, para que haja esse conhecimento, ele o divide em duas categorias: interior e exterior (SYDFIELD,1979: 33/35 apud ANDAUR & ALBORNOZ, s/d: 13).
[3] MUNDO ESCRITO. Arco de personagem: os principais tipos, todos eles com exemplos! (ver bibliografia).
[4] Conforme Diego Andaur & Maximiliano Albornoz (S/d: 49 – ver bibliografia).
[5] Conforme Diego Andaur & Maximiliano Albornoz (S/d: 17 – ver bibliografia).
[6] Conforme “Criating Character Arcs“, de K . M. Weiland (2016), citado por Diego Andaur & Maximiliano Albornoz, s/d: 17 – ver bibliografia),
[7] MARTINZ, Juliano. Como escrever um livro infantil. In Livrarias Corrosiva (ver bibliografia).
Bibliografia
ANDAUR, Diego Letelier & ALBORNOZ, Maximiliano Trejo. Como conhecer seu protagonista . Universidade Mayor para Espírito Emprendedores. Disponível em PDF: https://chilemonos.cl/tesinas/Como%20conocer%20a%20tu%20personaje.pdf. (S/d). Acesso em 04/11/2024.
BORGES, Aline MX Homssi. Personagens e universos narrativos em adaptações e narrativas transmídia – Análise de “A dança dos dragões” e produtos derivados (selo Teses & Dissertações). Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto: Editora UFOP, 2019.
CÂNDIDO, Antônio; ROSENFELD, Anatol; PRADO, Décio A. & GOMES, Paulo E. S. A Personagem de Ficção. 2ª ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1970. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3923731/mod_resource/content/1/Antonio%20Candido%20-%20A%20Personagem%20do%20romance.pdf. Acesso em 14/03/2024
EGAS, Lídia Maria. Conteúdo estruturante: Discurso como prática social versus Conteúdo Específico: Texto narrativo. Texto para o ensino médio (Português e Literatura). Colégio Estadual da Mota Fernandes (S/D). Disponível em: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/producoes_pde/md_lidia_maria_egas.pdf. Acessado em 14/03/2024.
FIGUEIREDO, Luiz F. G.; OURIVES, Eliete A. A.; ANDRADE, Wiliam M. & VIEIRA, Milton L. H. Design de personagem: estratégicas de planejamento, construção e análise na modelagem de personagem [recurso eletrônico] – Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. NASDesign/UFSC, 2018. (Ebook, em PDF), disponível em: https://codesign.net.br/arquivos/NASDesign-Personagem_e-Book.pdf. Acessado em 12/04/2024
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 7ª ed. revista e atualizada. São Paulo: (Série Princípios; 207) Ática, 2006.
MACEDO, Ezequiel BI & SILVA, Jamile M. Um estudo da caracterização da personagem feminina no conto Retábulo de Santa Joana Carolina (Dissertação). Universidade Federal de Pernambuco. Revista dos Alunos da Graduação de Letras “Ao pé da letra”, versão online – ISSN 1984-7408, v. 11.2-2009.
MARTINZ, Juliano. Como escrever um livro passo a passo. Divulgado por Juliano Martins no site da Livraria Corrosiva e disponível em https://corrosiva.com.br/como-escrever-um-livro-passo-a-passo/#crie-personagens. Acesso em 25/04/2022.
SANTOS, Wellington. Caderno de leitura literária Contos de fadas: velhos personagens, novas roupas . Itabaiana: Nossa S. Glória: Lumia- Escritório de Design, Mestrado em Letras, Universidade Federal de Sergipe. 2017.
SOARES, Angélica. Gêneros literários . 7ª ed. São Paulo: (Série Princípios; 166) Ática, 2007.
Outras referências bibliográficas
MUNDO ESCRITO. Arco de personagem: os principais tipos, todos eles com exemplos! Divulgado em 20/08/2023. Disponível no sítio: https://mundoescrito.com.br/arco-de-personagem/. Acesso em 12/04/2024.
OFICINA DE TEATRO: TEATRO TOTAL (Assessoria de Comunicação). O Conflito Dramático. Divulgado em 08/08/2011, disponível em: ttps://teatrototalilheus.blogspot. com/2011/08/o-conflito-dramatico.html#:~:text=H%C3%A1%20que%20se%20afirmar %20 que,%2C%20opressor%2Foprimido%20etc%E2%80%9D. Acesso: dez/2023.
Por Francisco Hélio de Sousa
fhelios@gmail.com