Como utilizar a estrutura da narrativa de ficção para planejar seu livro e escrever contos, novelas e romances[1]

            Quando se fala em estrutura da narrativa de ficção, devemos lembrar que a estrutura básica de um texto narrativo qualquer é formada pela introdução, pelo desenvolvimento e pela conclusão, ou seja, ele tem começo, meio e fim[2].          

            No entanto, quando falamos de uma narrativa de ficção (um texto literário que tem sua produção baseada na arte), tais como o conto, a novela e o romance, o texto literário do tipo narrativo passa a exigir a presença de alguns elementos essenciais, quais sejam: personagens, enredo, narrador, tempo e espaço.[3]

            Na verdade, a narrativa de ficção também possui uma estruturação um pouco diferente, sendo geralmente apresentada em ritmo de prosa, ou seja, construída em linha reta, organizada em frases, parágrafos, capítulos, partes etc.[4]

            Veja que, dentre os cinco elementos essenciais da narrativa, o enredo (trama ou intriga) é o conjunto de ações ou acontecimentos que se sucedem de modo ordenado numa história de ficção[5], podendo ser dividido em quatro fases, partes ou momentos.

A estrutura da narrativa de ficção e os quatro momentos do enredo

            De fato, é o enredo que organiza e seleciona os acontecimentos que dão origem à história com início, meio e fim[6], dividindo essa estrutura básica em quatro partes ou momentos, quais sejam:

            Situação inicial: é onde se dá a apresentação do enredo (onde são apresentados os personagens e dadas as primeiras noções sobre cenário).

            Complicação: onde se dá o desenvolvimento da trama (é a história em movimento, onde aparecem os obstáculos que os personagens vão enfrentar) 

            Clímax: o ponto alto, de maior tensão do enredo (é o que chama mais a atenção do leitor).

            Desfecho: onde a trama se resolve (onde se dá solução dos conflitos).

          Assim, quando se fala de estrutura da narrativa de ficção (ou da narrativa em prosa), na verdade se está falando do elemento essencial que funciona como se fosse um esqueleto, uma base para a narrativa, ou seja, da estrutura organizada pelo enredo, que divide a história não mais simplesmente em começo, meio e fim, mas em seus quatro grandes momentos.[7]

            Por certo, saber identificar as partes do enredo pode ajudar aos autores iniciantes a planejarem uma estrutura mínima para dar o pontapé inicial em seu texto narrativo.[8]

Como identificar os momentos do enredo na história

            A princípio, é possível identificar as partes do enredo na maioria dos textos literários. Por exemplo, podemos identificá-las facilmente no texto a seguir. Trata-se de uma pequena narrativa (causo), que pertence a um livro de Stanislaw Ponte Preta, intitulado “Pedro pára, pára Pedro”[9]:


Estruturação clássica do enredo para uma narrativa curta (causo)

MomentosEnredo de “Pedro pára, pára Pedro”
Situação inicial (apresentação)Um grupo de gozadores de Aracaju fundava uma associação chamada Clube Sergipano de Penetras, especializado em penetrar em festas sem ser convidado.
Desenvolvimento (Complicação) O clube estreou auspiciosamente, comparecendo ao casamento da filha do Governador Lourival Batista, pra comer doce e aceitar croquete oferecido em bandeja.
ClímaxO presidente do clube, universitário Wadson Oliveira, ainda aproveitou a presença do Vice-Presidente Pedro Aleixo nas bodas e pediu a palavra, saudando-o copiosamente, a chamá-lo a cada instante de benemérito do país, grande figura política, ínclito patriota etc., etc., etc.
DesfechoDizem que Pedro Aleixo acreditou.
Fonte: Febeapá. Rio de Janeiro, Sabiá, 1967. v.2. p. 71, apud GANCHO, 2006: 9

            Releia o texto, inteiro, e perceba o tom de piada (bem ao estilo sarcástico do autor); nesse sentido, o final é surpreendente e engraçado.

            Observe que as partes ou grandes momentos do enredo são utilizadas para contar toda a história (o caso, de Stanislaw Ponte Preta).

            No entanto, a mesma estratégia pode ser utilizada para escrever partes iniciais de textos mais complexos, tais como os contos, novelas e romances.

Como a estrutura da narrativa de ficção pode ajudar você a estruturar o seu livro

            Para além do que foi dito, no método que defendemos, sugerimos utilizar esses momentos do enredo para planejar um resumo ou sinopse para o leitor[10], um breve relato do que virá a ser a sua narrativa ficcional definitiva.

            É bem comum que ao iniciar as suas obras os autores iniciantes ainda não saibam detalhes suficientes para definir uma estrutura mínima para seus textos.

            Assim, recomendamos que, na fase de planejamento, você faça um exercício de síntese (bastante comum ao minimalismo dos contos), esforçando-se para escrever sua história em poucas frases, destacando o conflito principal da sua narração.

            Tendo em mente que a sinopse é um resumo da história em um parágrafo, comece escrevendo uma frase que sintetize a história. Então, pense um pouco, o que de mais importante acontece na trama do livro? Depois vá aumentando as frases, até ter um parágrafo com quatro ou cinco frases que sintetizam tudo[11].

Utilizando a estrutura clássica do enredo para estruturar seu livro

            Tendo como referência o texto anterior, e dentro dessa perspectiva de construção prévia de uma sinopse, podemos começar a narrativa por elaborar um parágrafo único, utilizando a estrutura clássica com os quatro momentos do enredo, nos moldes do que podemos observar na sinopse de “Chapeuzinho Vermelho” abaixo:


Estruturação clássica do enredo para uma narrativa mais longa (conto)[12]

MomentosEnredo de “Chapeuzinho Vermelho”
Situação inicial (apresentação)A mãe pede à filha que vá à casa da vovó saber notícias e levar alguns doces.
Desenvolvimento (Complicação) No meio do caminho, a menina é abordada pelo Lobo Mau.
ClímaxO Lobo Mau devora a avó de Chapeuzinho Vermelho e tenta atacá-la.
DesfechoO Lobo Mau é morto pelo caçador e a vovó e Chapeuzinho são salvas.
A mãe pede à filha que vá à casa da vovó saber notícias e levar alguns doces. No meio do caminho, a menina é abordada pelo Lobo Mau. O Lobo Mau devora a avó de Chapeuzinho Vermelho e tenta atacá-la. O Lobo Mau é morto pelo caçador e a vovó e Chapeuzinho são salvas.”
Obs.: as frases devem ser o mais enxutas possível, para que o parágrafo consolidado não seja muito grande.

Faça uma sinopse para dar o pontapé inicial do seu livro

           Recomendamos fazer algo parecido para dar o start em suas histórias. Ainda que não saiba detalhes, crie uma hipótese de como sua história termina, destacando o conflito principal.

            De fato, fazer esse exercício (de condensar tudo em uma sinopse) antes de começar o processo de escrita vai servir para lhe dar um norte; vai fazer com que você enxergue um panorama da trama antecipadamente e vai lhe ajudar nas próximas etapas do seu projeto literário.[13]

            Pode ser que algumas das frases não descrevam exatamente situações de apresentação, complicação, clímax ou de desfecho, mesmo assim sugerimos preencher os campos com frases temporárias.  Além disso, futuramente essa sinopse inicial provavelmente será modificada, mas aí você já terá o controle do texto.

As vantagens de utilizar a estrutura da narrativa de ficção para elaborar uma sinopse inicial

            Se souber resumir sua história em um parágrafo, com quatro ou cinco frases, que gere interesse para o seu público-alvo, é porque sua ideia tem força suficiente para fazer o leitor seguir adiante. Além disso, essa técnica também poderá ser útil mais adiante, na hora de escrever o texto, se utilizada de forma inversa, ou seja, retornando à sinopse como fonte de inspiração.

            Caso sinta que está faltando assunto para desenvolver sua escrita, você pode dissertar sobre algumas dessas frases, utilizando-as como se fossem assuntos para os capítulos do seu livro.

            Então, os quatro assuntos (situação inicial, complicação, clímax e desfecho) poderiam perfeitamente serem desdobrados em capítulos distintos da sua narrativa.

            É bom lembrar que utilizamos como exemplo um “causo” e um “conto”, no entanto, nada impede que façamos o mesmo com novelas e romances.

            Até porque que a estrutura clássica do enredo para os três gêneros literários que aqui evidenciamos pode ser a mesma, já que o conto, muitas vezes, apresenta uma estrutura equivalente às fases de uma novela ou romance (apresentação do tema, a complicação, o clímax e o desfecho).[14] 

            Por fim, recomendamos conhecer o nosso método para visualizar mais exemplos deste exercício prévio, estruturando sinopses com outros textos narrativos.


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Notas

[1] Como se trata de um universo por assim dizer inventado (onde personagens, tempo e espaço são também inventados), é correto afirmar que obras literárias constituem ficção (KEMPISKA & SOUZA, 2012: 50).

[2] Conforme Daniel Pinna (2006: 111).

[3] Conforme Cândida Gancho (2006: 4)

[4] Um dos critérios base para a determinação do gênero a que pertence uma obra é o baseado no fator ritmo, que divide o universo da produção literária em dois: prosa e poesia (KEMPISKA & SOUZA, 2012: 12). Texto em prosa é o que não se vale de versos, ou métrica, em sua composição.

[5] As pessoas atribuem ao termo ficção um sentido mais limitado: narrativa de ficção científica. Porém, ele tem significado mais abrangente: imaginação, invenção. Aqui, adotamos o entendimento de Cândida Gancho (2006: 5), de que narrativa literária de ficção é o mesmo que narrativa literária em prosa. 

[6] Conforme Edna Souza (2003: 32).

[7] Por isso, é possível fazer do elemento história (em geral também designado pelo termo enredo) um ponto de referência para a classificação literária em gêneros (KEMPISKA & SOUZA, 2012: 50).

[8] No âmbito da literatura, o texto narrativo é aquele em que se conta um fato, fictício ou real, ocorrido num determinado tempo e lugar, envolvendo certos personagens.

[9] Conforme Cândida Gancho (2006: 6).

[10] A sinopse para o leitor é algo semelhante ao que temos na storyline que dá a ideia do princípio, meio e fim, embora apenas num parágrafo.

[11]  Conforme Felipe Iszlaji (2017: s/p).

[12] Conforme orientações da sinopse apresentada pela profa. Joyce, no site: Língua Portuguesa.

[13] Conforme CÉZAR, Luiz. Dicas para escritores.

[14] Embora, em função de sua liberdade artística e literária, seja possível percebermos a existência de contos em que algumas dessas fases não estão presentes (VINICIUS, 2012: 1).


Bibliografia

CÉZAR, Luiz. Dicas para escritores. In Luiz Cézar Blog. Dezembro/2014, disponível em: https://luizcezarescritor.blogspot.com/ 2014/12/como-planejar-escrever-um-livro.html. Acesso em 31/08/2022.

GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 7ª ed. revista e atualizada. São Paulo: (Série Princípios; 207) Ática. 2006

ISZLAJI, Felipe. Sinopse – escreva um parágrafo explicando a história. In Blog Dicionário Criativo Divulgado em 1º de novembro 2017 e disponível em: https://blog.dicionariocriativo.com.br/como-comecar-a-escrever-um-livro/#come%C3%A7ar-escrever. Acesso: 31//08/22

JOYCE (profa.) Vídeo, Apresentação: Explicação sobre estrutura da narrativa. In Site Língua Portuguesa, Interativo ABC, divulgado em 08 de abril de 2020. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=yffaKRZoYkI.

KEMPISKA, Olga Guerizoli & SOUZA, Roberto Acízelo Quelha. Teoria e Literatura I. v. 2. Rio de Janeiro: Fundação Centro de Educação Superior à Distância do Estado do Rio de Janeiro – CECIERJ, 2012.

PINNA, Daniel M. S. Animadas personagens brasileiras: a linguagem visual das personagens do cinema de animação contemporâneo brasileiro (dissertação de mestrado). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC, Departamento de Artes e Design, 2006.

SOUZA, Edna G. Dissertação: gênero ou tipo textual? (Dissertação – Mestrado em Linguística). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2003.

VINÍCIUS, Marcos. A Teoria do Conto. In Textos, Teoria Literária, enviado em 11/09/2012. Publicado em Recanto das Letras. Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/3876893, tendo como referência GOTLIB, Nádia Battella “Teoria do Conto” – 11ª edição – São Paulo: Ática, 2006.

Outras referências

Edital Concurso de Contos Terracota/Fantasticon-2013 – Literatura Fantástica: Caminhos do Fantástico, regulamento divulgado no site da Terracota Editora:http://www.terracotaeditora.com.br/ REG_CAMINHOS_DO_FANT_2013.pdf. Acessado em jun/2013.


Por Francisco Hélio de Sousa

fhelios@gmail.com

www.fhelios.com.br